Há coisas, que guardar para quê?
Após a morte da mãe, e como filha única, solteira e sem filhos, coube-lhe a tarefa horrorosa de desfazer a velha casa de família em Rio Maior, onde tinha vivido grande parte da sua vida, e entregá-la para venda. Digo horrorosa, pois só quem passa por esta tarefa, sabe do que estou a falar.
Muitos caixotes arrumados e variados móveis esvaziados depois, deu consigo a falar com o único sobrinho, órfão também, e a dizer-lhe:
«Como sabes, apareceu uma familia interessada em comprar a casa da avó, e como agora és a única pessoa de familia que me resta, ficas com estes documentos, respeitantes ao meu apartamento da Nazaré, porque com a minha idade, que ronda os setenta, mais ano, menos ano, poderás ter de me colocar num lar e nessa altura vendes o apartamento para obter o dinheiro necessário. Quanto à mobilia de quarto de estilo Dom José, possa guardá-la para ti, pois...»
Foi nessa altura que um suspiro do sobrinho a deteve, «mobília de quarto, tu não gostas pois não?»
«Não tia...», novo suspiro.
«Olha, tens toda a razão, guardar para quê, vou mas é deixar o quarto como está, onde sempre esteve e os novos donos, que façam o que entenderem.»
E assim foi. Há coisas, que se bem pode perguntar, guardar para quê?