Fui educada numa família católica que ia à missa ao domingo, e por isso, frequentei a catequese e fiz a primeira comunhão na minha paróquia da altura em Lisboa, Santo António de Campolide. Eu e outras da minha criação. Era costume confessarmo-nos regularmente em certas épocas do ano. As lembranças que tenho dessas confissões são tristemente sinistras, pois que já menina e moça a única coisa que interessava a alguns párocos era se tínhamos namorado e o que fazíamos com o dito. Eu não tinha namorado nenhum, pelo que num instante, era despachada com três avé marias de penitência, mas no entanto considerava a pergunta uma intromissão. As mais velhas e mais experientes avisavam as miúdas mais novas para não irem a determinado confessionário, havia diversos então, porque o padre se punha a perguntar mais isto e mais aquilo.
Não me move nenhum intuito persecutório contra a igreja, pois reconheço nela muitas virtudes e sãos princípios.
Contudo, não posso deixar de me alegrar por ter sido agora criada uma comissão independente para a apreciação de abusos na igreja católica, que com certeza terá bastante que apurar. Abriu-se finalmente uma porta de desabafo e reconciliação para muitas vítimas.
Contudo, nestes como em muitos outros casos, o problema será sempre a prova dos factos, em muito agravada pela distancia.
Discute-se por estes dias, situações de assédio e humilhação ocorridos na Faculdade de Direito de Lisboa. Porque por lá passei e por lá me licenciei, tendo experenciado a vida académica durante os últimos anos da ditadura, com a introdução dos vigilantes ou «gorilas», devo reconhecer que a Faculdade era nessa altura um local em que os estudantes ou melhor, sobretudo, «as» estudantes, grupo então minoritário, eram humilhadas, rebaixadas e desconsideradas.
Consistia numa tática conhecida e usada por alguns professores. As taxas de reprovação eram muito elevadas, sendo que só cerca de 10% dos alunos que entravam no primeiro ano conseguiam acabar o curso. Também as notas eram em Direito muito mais baixas do que noutros cursos. Lembro-me de um assistente ter dito a uma bonita caloira que a nota de 8 que lhe tinha atribuído na prova escrita demonstrava que ela era «muito boa.»
As provas orais quase sempre obrigatórias, afiguravam-se de tal modo aterradoras que num dia em que calhou ser examinada por um dos grandes catedráticos, quase todos os alunos convocados faltaram à primeira chamada, tendo sido apenas eu e um Abdul africano, os únicos a fazermos a dita oral e talvez por sermos apenas dois e atrevidos representantes de minorias, com sucesso.
Assim se vivia o ambiente de poder e de intimidação na época. Espantoso é que depois de tantos anos as coisas pouco tenham mudado.
A Liga Portuguesa Contra o Cancro realiza anualmente em certas datas, peditórios nacionais. Mas a possibilidade de serem feitos donativos está sempre aberta e são estes que permitem que o trabalho da Liga prossiga na investigação e no apoio a doentes e familiares.
Trata-se de uma importante organização fundada em 1941, que os portugueses bem conhecem e que tenta agora recuperar diagnósticos e tratamentos que ficaram atrasados com as preocupações da pandemia.
Ouvi há dias alguém próximo, a quem o cancro tinha roubado prematura e inesperadamente um familiar dizer, «com as restrições do covid muitos não se puderam despedir nem acompanhar doentes e familiares na sua hora de dor, por vezes, nem umas simples flores conseguiram levar, aproveitemos assim a oportunidade de doar o dinheiro dessas flores como símbolo para a luta contra o cancro.»
Quer através de um donativo direto ou de indicação no preenchimento do IRS está na hora de retribuir.
Há muita gente a dizer maravilhas do exercício físico e eu junto-me a esse coro. Num país onde a maior parte da população é avessa a mexer-se, os que o fazem regularmente beneficiam de uma melhor qualidade de vida, mais vitalidade e boa disposição.
Claro que nem todo o exercício é para toda a gente. Terá de se fazer uma escolha de acordo com as diferentes idades, aptidões e gostos. A prática deve ser gradual e continuada, não serve de nada iniciar uma maratona, andar por ali aos trambolhões até espumar pela boca e depois passar dois meses a dizer mal da vida por conta de um jeito na anca.
Agora o que verifico é que quem começa, ou recomeça, estabelece uma rotina, mantém um grupo, um bom mestre, sente-se estimulado e a progredir.
A primavera está aí a pedir umas boas caminhadas, mexam-se por prazer.
0 meu pai chamava-se Diamantino, nome antigo do princípio do século passado, mas que ele prezava dizendo que provinha de diamante, uma preciosidade.
E na verdade o meu pai era um raro e precioso diamante. Não tinha os pés muito assentes na terra, todavia sabia cultivar o sonho e a imaginação das filhas.
Foi ele me ensinou a apreciar os diferentes tipos de rochas, os pássaros, os seus cantos e plumagens, as árvores, os seus rebentos e os seus frutos, enfim o valor da natureza.
Recordo com muita ternura os passeios que costumava dar a pé com o meu pai e onde, quer na cidade quer no campo, havia sempre matéria para explicações e descobertas ou não fosse ele pedagogo e professor de física e química.
Numa época em que era raro os homens ocuparem-se das crianças, ele fê-lo sempre com naturalidade, hábito que ainda conseguiu manter com alguns dos netos.
No mês em que se celebra o dia do pai, lembremos com gratidão os pais das nossas infâncias, os pais que nos acompanharam e ajudaram a ser mães e os pais mais recentes que só agora estão a iniciar a sua caminhada.
Quando nos chega às mãos um objeto antigo, que tenha conhecido outros donos e poisos, bastas vezes nos perguntamos a sua origem e a sua história.
Obra preciosa, de Edmund de Waal, «A lebre de olhos de âmbar», dá-nos conta disso. Descreve uma coleção. pertença dos seus antepassados, de 264 pequenas esculturas de madeira e marfim, não maiores do que uma caixa de fósforos, que saíram do Japão no século dezanove e desembarcaram em Paris, regressando depois da segunda guerra mundial ao Japão, até voltarem de novo à Europa, desta vez ao Reino Unido, onde vive o autor, que é agora o seu dono. A descrição do percurso das peças através de gerações, acompanha por isso, a história europeia e mundial, as suas mudanças e conflitos.
Este relato fez-me lembrar a história de um velho louceiro familiar, tão grande e tão pesado que tinha ficado esquecido no quarto interior da casa de uma avó. Há muitos anos, uma das filhas apoquentada com os altos e baixos da vida e depois de ter sido obrigada a vender os seus poucos pertences por causa das dívidas de jogo do seu marido, veio resgatá-lo. O móvel foi desmontado, limpo, encerado, as prateleiras foram forradas e encheu-se de coisas bonitas.
O velho louceiro ainda hoje pontifica numa sala e está pronto para novas aventuras.
Andam por aí muitas nuvens negras. O covid, as crises económicas, políticas e muitas mais, que isto tem sido um fartar, mas agora ainda se junta a crise de falta de materiais.
Pois é, faltam as peças, faltam os materiais e ninguém sabe quando chegarão. Talvez na próxima semana, talvez sim ou talvez não...
Dias antes do Natal, foi a minha vizinha às compras de alimentos na praça e no talho. Carregou os víveres para o carro, e verificou desapontada que este não andava. Nada mesmo nada. Não tinha bateria. Chamou o reboque, trouxe as coisas para casa conforme pôde. E o carro ficou na rua e por lá tem permanecido até à data, pois não há baterias e nem se sabe quando virão, talvez para a semana...ou talvez não.
Afinal como foi o Natal da avó Carolina, perguntam alguns?aqui
A avó, dona da sua cabeça, decidiu ela própria ficar no lar. Não queria correr riscos desnecessários, ela que já tinha sido infetada com covid, logo no princípio da coisa e tinha estado hospitalizada mais de uma vez, sabia bem o que temia.
Recebeu uns dias antes, a visita dos netos, todos testados negativamente e ficou muito contente com as fotos de telemóvel que estes lhes mostraram das suas atividades e dos membros mais novos da família, alguns que chegaram entretanto e que ela ainda nem conhecia.
No dia de Natal houve uma chamada coletiva para a avó. Contudo, nada de imagens, porque a tecnologia da avó não o permite, mas fizeram-se fotos de grupo que serão impressas e lhe irão chegar, em breve.
E assim se passou mais um Natal em pandemia. E como será o próximo?
Mais ao menos, por este altura do ano, e já lá vão muitos, as professoras de Trabalhos Manuais e de Moral do liceu que frequentava, resolveram dinamizar a troca de prendas natalícia, com o sorteio do amigo secreto.
Ficou assim combinado que as lembranças seriam feitas por cada aluna e seriam depois trocadas num determinado dia com a nossa amiga secreta.
Em breve começaram a perfilar-se nos armários as prendinhas de cada. Desde logo, me saltou à vista uma, para mim lindíssima estrela de Natal, feita com círculos de papel celofane vermelho enrolado em cornucópia, assente numa base de cartolina redonda e com uma bola vermelha no centro. Aquela estrela era sem dúvida o enfeite mais bonito que eu alguma vez vira.
No dia certo, chamaram-se as alunas uma a uma e fui eu que recebi maravilhada a referida estrela. Eu era a amiga secreta da sua autora, facto que desconhecia.
Guardei a estrela durante muitos anos. Foi compondo diferentes árvores e presépios, até que acabou por se desfazer por mais cola e fita cola que eu usasse.
Há muito que esqueci o presente que então ofereci, alguma insignificância sem jeito por certo, mas recordo até hoje com gratidão e encantamento aquele que recebi.
A avó Carolina já conta muitos anos. Em numero redondo podemos dizer que está dentro dos noventa e perto da centena. A avó está desde algum tempo a viver num lar para pessoas de idade, dada a sua fragilidade e as suas condições de saúde, ou de falta dela.
Vive conformada com isso. Tem a cabeça no lugar e reconhece que está mais acompanhada na instituição do que na sua própria casa.
Recebe visitas com muito agrado e tem feito amigas no lar.
Esta avó costumava passar a temporada de Natal rodeada dos filhos, netos, sobrinhos e demais família. Mas este ano, aliás como no ano passado, ainda ninguém sabe bem como vai ser.
Trazer a avó, talvez? E os perigos do contágio? E a eventual e detestada quarentena, fechada no seu quarto, depois do seu regresso?
Ir visitá-la ao lar? Mas a instituição pede de novo aos familiares para reduzirem as visitas?
E assim estamos num novo Natal, com muitos dos nossos anciãos ainda mais isolados, fechados e tristes.